quinta-feira, 17 de maio de 2012

Psicologia e Religiosidade

Através do CIES, fui convidada para falar sobre “Psicologia e Religiosidade” aos membros da comunidade Javé Shammá e de outras comunidades da nossa Arquidiocese.

Tentei fazer um paralelo entre a dinâmica dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio-EE, o processo de individuação de Carl Gustav Jung, o arquétipo da Samaritana e passagens da minha vida pessoal. Tive como objetivo mobilizar as 28 pessoas ali presentes para que ficassem vigilantes ao seu processo de ascese cristã no cotidiano da vida.

Para cada um de nós, independente da religião escolhida, o momento de crise e de sofrimento bate à nossa porta. É necessário que haja uma comoção interna, uma inquietude pelo modo de vida que estamos tendo para que se inicie um processo de transformação que nos impele a uma escolha radical ou a uma reforma de vida. É uma voz interior que nos inquieta e nos convida a empreender um novo caminho. Daí a busca por psicoterapias, religiões e seitas.

A fé critã aponta como Caminho, Verdade e Vida o próprio Cristo. Ele é o modelo, o protótipo do antropos, o homem integrado, que teve uma experiência profunda da vontade e do amor do Pai na sua vida.

Para ilustrar o nosso caminho como cristãos escolhi a Samaritana, arquétipo ou imagem da mulher dos inúmeros desejos em busca da paz. Como todos nós, a Samaritana busca a satisfação dos desejos materiais, científicos, afetivos e religiosos. Apaziguar esses desejos é uma tarefa árdua que, muitas vazes, depende de uma vida inteira. “Jesus está sentado na beira do poço de Jacó à nossa espera”.

O Processo da mulher samaritana: 

1- Ela se desloca em direção ao poço. Ela sente sede de conhecimento de si mesma. É o “sair de casa”, do “infantilismo”( Jung). É o desejo de fazer os EE.
2- Sentar-se à beira do poço para escutar, sentir a presença de algo essencial na sua vida.
3- Descer ao fundo do poço, significa trabalhar o seu inconsciente pessoal, transgeracional, coletivo, cósmico. Arrancar as máscaras, deparar-se com a sua sombra, diluir o seu ego inflado (Jung). Constatar os seus pecados e o pecado estrutural: nos EE, corresponde à 1ª Semana.
4- Descobrir, no fundo do poço, o SER, que é um dom. “Eu existo e o mundo existe”. Aceitar ser amados pelo SER que somos. É o reconhecimento da alma, é a contemplação do Animus e da Anima (Jung). É a Contemplação da Encarnação e da Vida Oculta de Jesus, também o momento da Eleição ou da Reforma de Vida nos EE.
5- Sede da “Água Viva”que está ligada à fonte e não às circuntâncias. É o “fazer-se nada como Jesus”, é a “indiferença inaciana”nos EE. A dor é parte da vida, que leva à humildade e à descoberta da nossa fragilidade, é a confrontação com o narcisismo (Jung).
6- Buscar o marido e descobrir que não é casada. O ser finito não preenche este vazio. Relativizar os bens materiais, a ciência, os afetos. O ser finito e imperfeito não substitui o Infinito e Absoluto.
7- Tornar-se livre em relação à religião, mas respeitando a nossa fé cristã, que possui uma visão holística. O particular atinge o universal, isto é, os confins da terra. “Os verdadeiros adoradores adorarão ao Pai no espírito e na verdade, no Sopro e na vigilância”. Não somente no alto da montanha ou em Jerusalém.
8- Viver na Presença, na consciência do Sopro do Ser em nós. É orar e respirar. Inspirar o Sopro do Pai e expirar, devolvendo-o ao Pai. É a Ressurreição, a Vida Nova na 4ª Semana dos EE. É a unificação integradora, quando surge o homem novo integrado (Jung).
9- Experimenta que o “Eu Sou” habita em nós, na profundeza do nosso poço. Encontramos o nosso ser de eternidade, a paz do nosso desejo e a transparência do nosso psiquismo. Sentimentos de alegria, paz, criatividade, próprios da 4ª Semana dos EE. É o Antropos= homem inteiro (Jung).
10-Podemos testemunhar ao mundo sua Presença, que vai além dos conhecimentos adquiridos. É mobilizar o outro para que também percorra este longo caminho de transformação, esta metamorfose dos desejos. Conhecemos a Paz e o Amor. Acontece na Contemplação para Alcançar Amor. Alcançar o AMOR com Ele, por Ele e Nele, etapa final dos EE.É o fechamento do círculo, o ego submetido ao SELF ou eu profundo, irmanados com os outros e a naturaza (Jung).

Então, o que é a Samaritana em mim? Qual o meu estado de consciência?

A Samaritana, como cada um de nós, vai ter que descobrir que a Paz não está no objeto do seu desejo, na multidão dos seus desejos, mas no “sujeito”do seu desejo. O fato de encontrar um outro “sujeito” vai despertar nela o “sujeito” do seu desejo. “Dá-me de beber”. Trata-se de uma “exímia ilustração”, este é um termo inaciano.

Preparando-me para este encontro, houve momentos de oração, de reflexão, de leituras relembradas de Jean-Yves Leloup, passagens bíblicas e, especialmente, uma “exímia ilustração”, própria de quem está alerta e vigilante.

Recordei-me de uma passagem da minha infância que aconteceu na Fazenda Jacumirim: o meu pai escolhia a fazenda como local para os filhos, ainda crianças, passarem as férias, ou seja, para respirarem o ar puro. Ele permanecia em Salvador, devido ao trabalho, e chegava, a cada sexta-feira, para passar os fins de semana conosco, isto é, com minha mãe, minha avó e meus irmãos.

À noite, depois de rezarmos o terço, a única fonte de luz (candeeiro a gás) era desligada. Todos dormiam cedo, fatigados das inúmeras peraltices. No silêncio e na escuridão, fui deitar numa rede, entre duas colunas da varanda, para melhor apreciar o céu estrelado.

Era uma sexta-feira e meu pai não havia chegado. Fiquei na espera sozinha e extasiada com a imensidão e a infinidade das estrelas que brilhavam abundantemente naquela “noite escura”. A saudade de meu pai, o desejo e a confiança da sua chegada a qualquer momento sustentaram-me alerta até altas horas da noite.

Eis que, de repente, surge, bem distante, o farol do carro ilminando a escuridão. Saí correndo pelo chão de terra, percorri o longo caminho em direção à cancela e pus-me em seu topo. O farol do carro iluminava cada vez mais o caminho até que chegou ao pé da cancela. Muita força foi exigida para eu poder abri-la. Que alegria! Alegria para mim e, evidentemente, para o meu pai, ao constatar a filha de tenra idade acordada, vigilante, à espera do encontro.

Este laço de amizade, confiança e amor é o mais precioso bem que o ser humano precisa experimentar. Que esta “exímia ilustração” possa servir de pálida analogia ao Amor Criador, que se revela na partilha do Pai, do Filho e do Espírito Santo. (Mariza Athayde)





















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